MARIA ALÍCIA CARRILLO SEPÚLVEDA*
A radical polarização hospital versus domicílio, enquanto locais possíveis de prestação de assistência ao parto normal, vem sendo atenuada com opções intermediárias, como as Casas de Parto e os Centros de Nascimento. Uma das condições necessárias para se garantir a fisiologia do nascimento e a humanização da assistência nestes locais é a presença de um provedor de cuidados não-médicos como agente central da assistência ao parto normal.
A posição da Organização Mundial da Saúde frente a esta questão é de que a parteira qualificada ou outra profissional com treinamento equivalente, é a profissional mais indicada para prestar assistência às mulheres em gestação e partos normais. É o caso das enfermeiras obstétricas ou obstetrizes. De acordo com o decreto n° 94.406/87 (BRASIL, 1987), que dispõe sobre o exercício da enfermagem, encontramos no Art.9°, o seguinte texto:
Às profissionais titulares de diploma ou certificados de Obstetriz ou Enfermeira Obstétrica, além das atividades de que trata o artigo precedente referentes às atividades da enfermeira generalista), incumbe:
Hoje, entrar na maternidade significa aceitar uma série de regras e regulamentos uniformes, crescentemente adotados por certos serviços em nome da segurança da mulher, do bebê, e do atendimento médico. No hospital, simbolicamente a mulher é despida de sua individualidade, autonomia e sexualidade. O propósito comum das Casas de Parto brasileiras é fazer do parto um acontecimento menos traumatizante e o mais natural possível, bem diferente daquele cerimonial de internação que ocorre no ambiente hospitalar que começa com a separação da família, a remoção das roupas e a sua substituição pelas roupas do hospital, a raspagem dos pêlos pubianos e o ritual de limpeza com o enema, acesso a alimentação limitado e instalação de um soro endovenoso, representando simbolicamente seu cordão umbilical com o hospital (Davis-Floyd apud OSAVA, 1997).
NAKANO (1990) analisando as finalidades dos chamados "métodos de preparação para o parto", aponta a década de 50 como um período marcado pela euforia do movimento do parto natural ou fisiológico e pela busca da humanização do parto hospitalar.
Este período coincide com a consolidação da transferência da assistência ao parto da casa para o hospital. É tempo dos cursos psicoprofiláticos, com seus métodos tentando tornar a paciente calma, obediente, conformada, controlada, afim de não perturbar as outras, nem o andamento dos serviços.
Segundo OSAVA (1997), na literatura internacional, os primeiros serviços não hospitalares organizados para oferecer assistência materna com base na filosofia do cuidados centrado na família, à mulheres avaliadas como de baixo risco para complicações obstétricas foram os Centros de Nascimento nos Estados Unidos. O primeiro destes centros foi instalado com o objetivo de atender a uma comunidade rural. Em 1975 foi criado o primeiro centro de nascimento na área urbana, na cidade de Nova York. Segundo Rooks et al. apud OSAVA (1997), até 1987 eram conhecidos 140 centros de nascimento em todo o território norte-americano e sua maioria conduzidos por nurse-midwives. Cabe destacar aqui que muitos Estados norte-americanos regularizam os centros de nascimento por meio de licenças e programas de crédito, e os serviços destes conseguem a cobertura da maioria dos planos de saúde.
Outro país que se destaca por atuar neste movimento é o Japão que possui Casas de Parto mantidas por parteiras, de forma independentes ou em parceria com médicos obstetras. As questões colocadas contra o parto hospitalar, a desumanização e o estresse provocados pelas técnicas e métodos médicos têm levado muitas mulheres japonesas, principalmente as da área urbana, consideradas mais independentes, a se manifestar contra o modelo institucional de assistência (OSAVA, 1997).
No Brasil, um serviço pioneiro com as casas de parto foi a do Ceará. Nos anos de 1975 a 1985, expandiu-se a modalidade de assistência para as populações miseráveis residentes em áreas litorâneas adjacentes a Fortaleza, representada pelas casas de parto conduzidas por parteiras tradicionais apoiadas tecnicamente pela Universidade Federal do Ceará. Estas foram melhoradas, mas a essência de seu trabalho foi preservada, isto é, o parto com pouca intervenção na cadeira de parto, de cócoras ou na rede. A experiência foi possível graças ao empenho do obstetra José Galba Araújo, já falecido (OSAVA, 1997).
Após uma avaliação do serviço prestado ao grupo materno-infantil pelo Instituto de Saúde do Estado da Bahia, surgiu a idéia de se adicionar Unidade de Saúde com a denominação de "Casas de Parto" à rede tradicional de atenção primária, com o objetivo geral de ampliar e melhorar a assistência ao grupo materno-infantil, uma vez que a assistência se limitava à atenção ao parto em unidade hospitalar e aos cuidados com a gestante e criança à nível de centros e postos de saúde. O projeto piloto foi implantado em 44 municípios do Estado da Bahia; a equipe da "Casa de Parto" era constituída por uma coordenadora, a enfermeira obstétrica, quatro agentes de saúde e dois agentes de portaria, que atuavam em regime de dedicação exclusiva. A "Casa de Parto"era composta por nove leitos, centro obstétrico, isolamento e consultório para atendimento externo na rede tradicional de atenção primária. Na unidade era prestada assistência pré-natal, ao parto natural, visita domiciliar à puérpera e criança, trabalho com as parteiras capacitando-as e supervisionando-as para criar um elo de ligação, obtendo participação das mesmas na unidade, puericultura, educação em saúde, formação de creche e horta comunitária (BITTENCOURT, 1984).
O propósito das ações integradas preventivas e de atenção ao momento do nascimento, era de transformar a gestação e o parto em um processo normal, trazendo um mínimo de riscos para a mãe e a criança.
Outro serviço pioneiro no campo da humanização da assistência ao parto foi o do Hospital Pio X, de Ceres-GO, que estruturou sua Casa de Parto. Em 1993, através de reuniões organizadas de maneira autônoma e independente entre médicas obstetras do Hospital Pio X de Goiás e o professor e obstetra Hugo Sabattino da Unicamp para debater a situação atual do nascer, lançaram em Campinas-SP, a Carta de Campinas. Além das reuniões e encontros, foram feitas visitas a Recife (Curumim e Cais do Porto) e o Rio de Janeiro (Casa de Parto Nove Luas Lua Nova) (OSAVA, 1997).
Na ocasião, criou-se a Rede de Humanização do Nascimento (REHUNA), que agregava inúmeros grupos, ONG's, profissionais da saúde de instituições públicas, com a pretensão de apoiar as iniciativas de humanização do nascimento em serviços públicos e privados, Casas de Parto, grupo de parteiras tradicionais (OSAVA, 1997).
Após as Casas de Parto de Ceres-GO e de Niterói-RJ, foi a vez da Maternidade Leila Diniz da Rede Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, ex-maternidade de Curicica, que foi inaugurada em 1994 após uma reforma de sua área física, garantindo um ambiente agradável e menos ameaçador que os das maternidades convencionais. As concepções que nortearam seu funcionamento foram a recuperação das práticas fisiológicas e humanizadas, capazes de acompanhar os ritmos da mãe e do bebê, incentivando as mulheres a aumentar sua autonomia e poder de decisão sobre seus corpos e partos (OSAVA, 1997).
Em junho de 1997 inaugurou-se para populações urbanas carentes, a Casa de Parto da Comunidade Monte Azul, na cidade de São Paulo. A proposta da Casa é dar prosseguimento a experiência de 10 anos no ambulatório da mesma comunidade produzida pelas mãos da parteira com formação alemã, Ângela Gehrke da Silva. No ambulatório pratica-se o parto humanizado, principalmente para mulheres de baixa renda, em ambiente com uma atmosfera aconchegante, parecida com o que se vê nos partos domiciliares na Holanda. O marido é presença bem-vinda no parto, quase obrigatória. Os índices perinatais alcançados na Casa de Parto Monte Azul equiparam-se aos melhores encontrados em países desenvolvidos da Europa; a taxa de episiotomias na Casa é 17% e de cesárias 3%, o que nos obriga a rever nossos próprios modelos assistenciais (Folha de São Paulo apud OSAVA, 1997).
E mais recentemente, o mais novo projeto na área de alternativa de qualidade para as mulheres que vão dar a luz é o Projeto Qualis - Programa de Saúde da Família criada pela Secretaria Estadual da Saúde : Casa de Parto de Sapopemba na cidade de São Paulo.
Referência Bibliográfica
BITTENCOURT, M.N.T. Implantação do programa casa de parto do estado da Bahia. Rev. Bras. Enf., Brasília, v.37, n.2, p.135-8, 1984.
NAKANO, Ana Márcia Spanó. Os métodos psicossomáticos de preparação para o parto: análise de seus objetivos e finalidades. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem USP, 1990. (Dissertação , Mestrado em Enfermagem Fundamental).
OSAVA, R.H. Assistência ao Parto no Brasil: o lugar do não-médico. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública USP, 1997. (Tese, doutorado em saúde Materno-Infantil).
Orientadora: Profª Drª Maria Helena Baena de Moraes Lopes