OS DIREITOS DO PACIENTE/CLIENTE/CONSUMIDOR: VISÃO GERAL

Dr. Christian Gauderer*


"A ignorância mata, a informação liberta", dizia meu pai, me ensinando a ser curioso, interessado, atento, e acima de tudo, bem informado.

Esta postura é essencial para se tirar o máximo e melhor proveito da relação médico/paciente. Nós todos fomos, somos ou seremos um paciente, daí a crucial necessidade de se ter resposta à seguinte pergunta: "Como usar e entender melhor o meu médico e tirar mais e melhores vantagens da medicina atual?"

Para tal é necessário que eu e você deixemos de ser alguém "paciente" e nos transformemos num participante ativo, na administração não da doença, mas sim da nossa saúde. Não se usa mais ser "paciente" e sim ser cliente, ser consumidor dos serviços médicos, enfim ser CIDADÃO NA ÁREA DA SAÚDE.

Conheça, exerça e exija os seus direitos.

Você sabia que tem direito de amplo acesso à papeleta, ao prontuário médico, a todo o seu material médico, laboratorial, psicológico ou social? Ou de saber o seu diagnóstico, conhecer a fundo o seu tratamento, os medicamentos, numa linguagem compreensiva? Ou de ver suas contas hospitalares, gravar a consulta médica ou ter acompanhante?

De posse dessas informações você estará, inclusive, capacitado a ajudar o médico a lhe ajudar.

Se nós exercermos o nosso direito de paciente estaremos melhor capacitados a cuidarmos do nosso único e real patrimônio, o corpo.

J. F. Kennedy, quando tomou posse, afirmou: "Não pergunte o que o seu país pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer pelo seu país". É chegada a hora, também, de uma mudança na postura nossa quanto paciente: "Não pergunte o que a medicina pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer para tirar o melhor proveito da medicina".

Algo semelhante aconteceu no Leste Europeu e, abalou toda a humanidade, quando M.Gorbachov declarou: "Não deixamos de afirmar que temos o monopólio da verdade, nós não mais achamos que estamos sempre com a razão e que aqueles que discordam de nós são nossos inimigos. Nós agora decidimos, de maneira firme e irrevogável, basearmos a nossa política nos princípios de livre escolha e de desenvolvermos a nossa cultura através do diálogo e da aceitação de tudo o que possa ser adaptado às nossas condições".

O mesmo vem ocorrendo na postura do médico no final deste século e será definitivamente o seu comportamento no século XXI: "Nós médicos deixamos de afirmar que temos o monopólio da verdade, nós não mais achamos que estamos sempre com a razão e que aqueles que discordam de nós são ignorantes, incompetentes ou leigos. Nós agora decidimos de maneira firme e irrevogável, de abrirmos a medicina moderna aos princípios da pluralidade, flexibilidade, democracia e de desenvolvermos a nossa relação com o paciente e a comunidade, através do diálogo e da aceitação de que tudo que possa ser adaptado às nossas condições, com o intuito de induzir melhoras".

Esta mudança se reflete no Código de Ética Médica brasileiro em vigor, desde 88, quando foi introduzido um capítulo discutindo especificamente a Relação com Pacientes e Familiares, em complemento a um capítulo abordando os Direitos Humanos.

A necessidade de se divulgar estas mudanças são óbvias: quanto mais informada uma pessoa, mais opções e escolhas terá, conseqüentemente mais livre irá se sentir, pois a informação liberta o indivíduo das trevas da ignorância, já a desinformação perpetua o claustro. A informação é a base da decisão, do julgamento e da ponderação. É com ela que aprendemos e podemos questionar, levantarmos novas hipóteses e possibilidades, diminuindo conseqüentemente a margem de erro e aumentando os acertos. A informação soma, acrescenta, logo faz crescer.

A informação é na cultura democrática a base do poder. Quanto mais e melhor informado, o indivíduo mais valorizado será, pois pode tomar decisões mais adequadas ao ser escolhido para o exercício do poder. A informação é a base da autonomia, independência do conhecimento e da cultura. A informação amadurecida pela vivência e experiência, nos permite transcender a liberdade, nos proporcionando um estado de interdependência com as pessoas e o mundo à nossa volta. Relação essa de real igualdade, autonomia e liberdade, conseqüentemente de Prazer.

A ignorância permite o abuso, a subjugação, o domínio a exploração e a estagnação. A informação, o conhecimento cria, permite e perpetua relações democráticas, abertas e flexíveis, já a ignorância permite a exploração, o subjugo e o aprisionamento.

Se quisermos desenvolver uma real democracia e deixá-la de herança para os nossos filhos, temos a obrigação e a responsabilidade de nos informarmos.

Se quisermos administrar bem o nosso corpo, a nossa saúde, temos a obrigação de nos informarmos bem em todos os sentidos, é essa a atual proposta do médico e da medicina brasileira: O paciente brasileiro tem o direito de saber tudo sobre a sua saúde e seu corpo. Pessoalmente sou de opinião que o indivíduo não tem apenas este direito, mas sim obrigação, o dever de se cuidar através da educação para a saúde.

O comportamento de se cuidar através da educação, é uma responsabilidade individual, mas também coletiva e social, e implica em dar atenção não só ao corpo físico como também de toda a sociedade.

O povo informado e educado, é um povo livre e saudável.

Cabe a pergunta: -

"Quais foram as grandes mudanças no atual Código de Ética Médica, e como elas nos afetam?"

Ocorreram mudanças radicais, para melhor, no atual Código de Ética Médica, não só democratizando a relação médico/paciente, como também melhorando e até obrigando uma relação de maior responsabilidade do médico perante ele mesmo, do paciente perante si, e de ambos entre si. Assim o paciente passa a ter direito a uma papeleta, prontuário ou ficha médica, e de ter direito à todas as informações sobre o seu corpo e saúde, além de ter direito a ter cópia de todo o seu material médico.

Vejamos em detalhe:

O Artigo 69 explicita: "É vedado ao médico deixar de elaborar prontuário para cada paciente".

Isso significa que nós médicos somos obrigados a elaborar ou desenvolver um documento, no qual iremos registrar o que nos foi relatado, o nosso exame, avaliação, a nossa conduta terapêutica, nossa recomendação ou postura profissional. Em resumo, nós médicos somos obrigados a registrar o que observamos, fizemos e principalmente: assinar embaixo. Ou seja, somos obrigados a assumir a responsabilidade perante o nosso paciente.

Talvez isso seja visto como exagero, excesso, absurdo ou algo óbvio, mas vejamos: o psicanalista não tem prontuário, papeleta ou registro médico ou nada que documente a sua passagem como paciente pelas mãos do mesmo. Suponhamos que ele venha a falecer. Como ficará o seu tratamento, a sua continuidade terapêutica e a sua evolução? "Basta o paciente relatar a sua história", é alegado pelo colega, só que este paciente irá descrever a sua visão pessoal, e não a evolução ou abordagem terapêutica, ou seja, o tratamento instituido.

Algo semelhante acontece em certos atendimentos breves, de emergência, em clínicas, hospitais ou com alguns médicos com grande movimento, ou em situações consideradas "banais" ou "simples" por certos profissionais de saúde. É comum nestes casos não ocorrerem necessariamente o registro do fato, e com isso não se cria um documento. Não há arquivo, donde também não haverá responsabilidade nem responsável, pois ninguém "assinou embaixo". Não quero com isso afirmar que isto é feito de má fé, pois trabalhei durante muito tempo em prontos-socorros diversos, onde em muitas das vezes é mais urgente e importante se prestar auxílio a uma vítima, do que se preocupar "com a papelada" ou "com a burocracia". Quero apenas alertar para a importância desse artigo e que o cumprimento, observância e respeito ao mesmo, é um direito do paciente e algo que ele não pode, mas deve exigir.

As vantagens são múltiplas. Vejamos:

Um registro por escrito obriga automaticamente a um cuidado maior por parte de quem executa uma tarefa. Leva a uma reflexão e reavaliação do que foi feito, permitindo inclusive em alguns casos, correções e ajustes que podem acontecer na hora ou posteriormente. O registro por escrito ajuda a controlar a contabilidade e o custo da intervenção (ou você é daqueles que não conferem a conta no restaurante?). Este documento tem efeito legal em caso de apuração de responsabilidade, seguro de saúde, causas trabalhistas, confrontações e comparação de dados para reavaliações ou outras questões.

Em resumo: o paciente tem direito a uma ficha clínica, folha médica, papeleta médica, registro médico ou similar. É seu direito exigir este documento. É claro que isso se estende a toda equipe de profissionais de saúde, da enfermeira ao psicólogo, do odontólogo a assistente social. O bom senso deixa claro que não existem exceções, uma vez que esse serviço foi contratado pelo paciente/cliente/consumidor direta ou indiretamente, e pago pelo mesmo direto ou indiretamente.

O Artigo 70 explicita: "É vedado ao médico negar ao paciente acesso ao seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bem como deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros".

Este Artigo deixa claro que o médico tem obrigação de deixar o paciente ter acesso, examinar, ver, ler o prontuário ou papeleta médica. Ele se coloca de maneira transparente, aberta, lúcida, sem segredos para o seu paciente, preservando o bom senso, no sentido de julgar quando certas informações seriam prematuras, se passadas àquela hora ou prejudiciais para o indivíduo. Quero salientar que esta última observação é exceção e não a regra, não devendo pois, ser imputada, a não ser em situações excepcionais, e não ser usado como justificativa ou regra para não se informar, educar e conscientizar o paciente.

Estudos mostram que a absoluta maioria dos pacientes gostariam de saber o que têm, inclusive em detalhes, para poderem administrar melhor a sua saúde, ou em casos terminais, inclusive programarem mais construtiva e adequadamente a própria terminalidade. Nós médicos, temos o infeliz hábito de subestimar a capacidade emocional e regenerativa do indivíduo, infantilizando-o em muitos casos. Muitos médicos, inclusive nem se perguntam se o paciente gostaria ou não de saber o que tem. Isto nada mais é do que uma forma camuflada de se manter e perpetuar o saber, conseqüentemente o poder ou o domínio sobre o outro. Eu iria mais além, inclusive crianças, conforme estudos diversos já demonstraram, mesmo não informadas diretamente do mal que as aflige, sabem muito bem, e inclusive com detalhes, o tipo de doença de que são portadoras, assim como também o prognóstico e evolução da mesma.

Não discutir isto em amplitude, detalhe e profundidade, só irá aumentar a angústia e o sofrimento deste indivíduo, pela ignorância na qual ele é obrigado a viver. Psicologicamente esse estado emocional agrava o funcionamento do paciente, lhe deteriorando a saúde, daí as condutas psicoterapêuticas serem formuladas no sentido de um total esclarecimento e educação do mesmo e também de sua família, se possível, a respeito de sua doença. Esta desmistificação da doença, em harmonia e conjunto com o seu médico e equipe de saúde, servem para administrá-la mais construtivamente. Em resumo, o paciente bem informado é melhor paciente, inclusive para o seu médico.

O Artigo 70 quando menciona que é obrigação do médico dar "explicações necessárias à compreensão" de sua doença, deixa claro que nós médicos, não podemos e nem devemos usar o "mediquês", ou seja, uma linguagem profissional, hermética, fechada, erudita, de difícil compreensão e de uso exclusivo do profissional de saúde ou de sua especialidade. Nós médicos, temos a obrigação de usarmos uma linguagem clara, transparente, objetiva e acima de tudo compreensível ao paciente ou seu responsável.

Em outras palavras, o paciente tem o direito de não saber, de não entender, de não assimilar e não acreditar, enfim de ser ignorante no mais amplo e objetivo sentido da palavra. É porém obrigação, dever nosso quanto profissionais de saúde, de esclarecê-lo, educá-lo, conscientizá-lo, levando-o à compreensão e a adequada assimilação do que estamos dizendo.

Somos por uma questão de bom senso, obrigados a usar uma linguagem de leigo para que o mesmo nos entenda. O ônus da explicação e adequada compreensão recai sobre os nossos ombros quanto profissionais, pela simples razão de que "nós médicos, estamos nesta posição por escolha, por opção, enquanto que o paciente por obrigação". Não resta a ele outra alternativa.

Em resumo: você paciente/cliente/consumidor, tem o direito e pode pedir quantas e quaisquer informações e esclarecimentos que você julgar necessário, até a sua completa e total satisfação e compreensão, para melhor cuidar de sua saúde. É nossa obrigação como médico/prestador de serviço, lhe responder. Você, como paciente/leigo, não tem que saber, entender ou compreender nada, mas tem sim o direito de perguntar até se sentir satisfeito. Eu pessoalmente vou além, é a sua obrigação saber o que se passa com você, com o seu corpo e sua saúde. A inadequada compreensão disso, leva a distorções que podem ser graves.

Em outras palavras: você, paciente/cliente/consumidor, tem a obrigação de saber o que se passa consigo, e sua saúde, e a não observância disto é omissão perante si mesmo, falta de amor próprio e de respeito pelo seu único e real patrimônio: seu corpo.

O nosso corpo exige cuidado e respeito, e é nossa obrigação zelar por ele. O médico, o profissional de saúde, é apenas um instrumento neste sentido.

O Artigo 71 explicita: "É vedado ao médico deixar de fornecer laudo médico ao paciente, quando do encaminhamento ou transferência para fins de continuidade de tratamento ou na alta se solicitado".

Este Artigo deixa claro que não só o paciente tem direito de saber o que tem, como também ter acesso ao seu prontuário ou ficha médica, assim como ter cópia deste material.

Traduzindo tudo isto em linguagem mais clara: o paciente tem o direito de ter cópia de todo o material, arquivo, notas, informações, exames, fichas médicas, notas de enfermagem, observações de psiquiatra, psicólogo, assistente social, que lhe dizem respeito. Esta é outra mudança radical, democrática e econômica na relação médico/paciente. Antigamente o médico examinava, solicitava exames, internava, prescrevia, e o paciente docilmente se submetia a tudo, sem questionar nada, numa relação de submissão e confiança. Jamais passava pela cabeça de um paciente ter cópia do seu material médico. No máximo, talvez, ele perguntaria à enfermeira a sua pressão ou temperatura, ou sorrateiramente leria sua ficha hospitalar ou algum exame laboratorial que ele tinha ido buscar, os quais são entregues em envelopes fechados.

Esta situação mudou totalmente. O paciente, como outro consumidor qualquer e também por ter pago por um serviço, seja ele médico, hospitalar ou laboratorial, tem o direito de ter cópia desses documentos, sejam eles para o seu arquivo pessoal, para conferenciar com outro médico, para trocar de impressões e opiniões com familiares ou amigos. Talvez esta observação choque, mas não é exatamente isto que fazemos?

Todo material médico nesta nova relação, pertence ao paciente/cliente/consumidor, assim como o seu corpo e a sua saúde. Os documentos médicos estão apenas sendo guardados, administrados, ou seja, estão sob custódia com o médico ou hospital.

Estes direitos estão também confirmados no atual Código de Defesa do Consumidor, que inclusive no Artigo 72 explicita que o prestador de serviços, tal como o médico ou qualquer outro profissional de saúde não pode "impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, bancos de dados, fichas e registros. Pena: detenção de 6 meses a 1 ano ou multa". O paciente pode com isto recorrer também ao PROCON de sua cidade.

Outras questões são explicitadas no Código de Ética Médica, e permitem ao paciente conhecer as credenciais do médico que o atende, ter direito a acompanhantes, registrar uma consulta, inclusive dar queixa do profissional de saúde junto ao Conselho Regional de Medicina se se sentir de alguma forma lesado ou desrespeitado nos seus direitos.

Esta queixa pode ocorrer inclusive sem a necessidade de um advogado, bastando para tal, o paciente se dirigir ao Conselho Regional de Medicina do seu estado, por escrito, e solicitar informações. Estes Conselhos são regidos por profissionais interessados única e exclusivamente em melhorar a qualidade da Medicina brasileira, tendo como alvo principal "a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional" (Art. 2).

Estão pois, tanto o médico brasileiro como o paciente, de parabéns, pois ambos são regidos por um dos Códigos de Ética Médica mais democráticos do mundo, mas para isso se transformar numa realidade, cabe a nós todos exercemos os nossos direitos como pacientes/clientes/consumidores. Isso será de benefício não só para o paciente, como também para o médico ou outros profissionais de saúde, assim como para toda a coletividade na qual estamos inseridos, economizando tempo, recursos financeiros, mas principalmente sofrimento humano.


* OS DIREITOS DO PACIENTE. Cidadania na Saúde

DR. CHRISTIAN GAUDERER

Especialista em Pediatria pelo American Board of Pediatrics (Univ. Tennessee)

Especialista em Psiquiatria pelo American Board of Psychiatry (Clínica Mayo)

Especialista em Psiquiatria Infantil e do Adolescente pelo American Board of Child Psychiatry (Univ. Harvard)

Diretor da Equipe Diagnóstica & Terapêutica Gauderer (Rio de Janeiro)

Outros livros do autor:

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