Dr. Christian Gauderer *
Atualmente virou moda se abordar temas médicos por todos os ângulos enfocando-se desde a situação caótica em que a nossa medicina se encontra, a se enaltecer os últimos avanços dramáticos e salvadores de vida. Parece, porém, que se esqueceram do essencial, do paciente, de ensiná-lo como que ele quanto indivíduo e quanto cidadão pode obter um melhor atendimento médico frente à medicina existente e disponível. Esta carta aberta a você meu paciente é para você sair de uma posição de "paciente" e construtivamente reivindicar uma medicina melhor e mais digna, para você deixar de reclamar e positivamente, assertivamente exigir o que lhe é devido: a sua cidadania como consumidor do profissional de saúde e de seus serviços.
Existem algumas normas extremamente simples, eficazes que ajudarão, e muito, a mim, quanto médico, a lhe dar um atendimento melhor, mais sério e, mais digno, mais eficiente e mais salvador. Você perguntaria: "Como assim?" Vejamos:
"Como é que você, meu paciente vem me ver, vem me consultar?"
Como sempre, de mãos abanando, sem nada, sem nenhum documento na mão, sem nenhum material já previamente levantado, sem laudos, sem diagnósticos, sem exames, sem parecer dos outros especialistas, sem sua carteira de vacinação, sem seu último exame de sangue, sem seu eletro, ou seja, sem nada.
"Como é que eu posso seguir, acompanhar, avaliar um atendimento não tendo informações adequadas?"
Sim, você pode me relatar o que foi dito. Mas, você entendeu adequadamente tudo? Você consegue lembrar o que lhe foi informado há dias, meses ou anos atrás? E é bom lembrar, que isto ocorreu num clima emocionalmente carregado, o que lhe é desfavorável para a retenção de dados cruciais. Você me informa que tomou dois comprimidos de um remédio específico, mas não lembra por exemplo a dosagem. Como é que eu posso acertar um diagnóstico nestas condições? Essas coisas se complicam, em se tratando de alguém senil ou em coma ou que não possa de outras formas se comunicar.
Se você trouxesse cópia de todo o seu material médico que diz respeito à sua saúde, cópia de todos os laudos, receitas, pareceres, hospitalizações, avaliações, exames laboratoriais, notas de enfermagem e das assistentes sociais ou de outros profissionais de saúde, eu obviamente iria me situar mais rápido, melhor e de forma mais econômica para você, com menos trauma frente à sua problemática.
A pergunta que surge neste momento é:
"Mas doutor eu não sabia que eu podia obter cópia de todo o meu material
médico".
Perfeitamente, só que pelo Código de Ética Médica em vigor desde 1988, no seu artigo 71, você passa a ter" acesso e direito de ter cópia de todo o seu material médico", inclusive em "letra legível" e "numa linguagem que você leigo compreenda". Isto também está corroborado no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 72 que diz textualmente: o prestador de serviços, tal como o médico ou profissional de saúde não pode "impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, bancos de dados, fichas e registros. Pena: detenção de 6 meses a 1 ano ou multa".
O Ministério da Saúde foi além. Preocupado com o alto índice de fraudes, coloca o cidadão brasileiro pela primeira na sua história no papel não só de consumidor, transformando-o em auditor de sua contabilidade. A Portaria nº 74 de 4 de Maio de 1994 explicita que todos os serviços de saúde "deverão emitir demonstrativo inclusive financeiro aos pacientes internados ou ao seu responsável". (Ver no Anexo)
Estas mudanças fundamentais das relações profissionais são advindas do "habeas data" inserido na nossa nova Constituição, e que beneficia na realidade a todos.
"O que você na realidade está propondo?"
Estou propondo que você meu paciente, de posse destas informações de seus direitos, crie de forma voluntária, uma pasta e uma carteira de saúde, ou seja, um dossiê, um arquivo com todo o seu material médico, para que eu possa me situar melhor frente a sua problemática, com vantagens enormes para nós dois, as quais seriam:
1º) Economizarei seu tempo, pois não precisarei perguntar outras questões que já foram levantadas por outros profissionais.
2º) Não precisarei solicitar exames que são onerosos e que obviamente você pagará, pois terei acesso a eles, e se solicitar novos, poderei compará-los com os trazidos por você.
3º) Diminuirei o seu sofrimento, pois não precisará se submeter a intervenções dolorosas ou relatar situações que trazem lembranças desagradáveis.
4º) Além disto diminuirá e muito a minha margem de cometer um erro médico por desinformação ou desconhecimento.
"Mas o que você está propondo é algo bastante simples, não?"
Sim, estou propondo algo absolutamente óbvio, simples, viável e que melhorará em muito a nossa relação profissional. Eu como profissional consciente da minha capacidade, não tenho receio nenhum de entregar cópia de uma avaliação ou laudo, de literalmente assinar em baixo do que estou fazendo, pois isto desenvolverá um nível de confiança maior entre nós dois. Eu estarei com isso compartilhando minha responsabilidade médica com você, e levando você a se assumir mais, e com isso, estabelecer uma relação de maior igualdade, e não como é atualmente, uma onde o paciente aguarda "pacientemente" que algo aconteça.
"Este material médico, esta carteira de saúde eu poderei mostrar para outras pessoas?"
Claro, não só pode, como deve, pois como diz o ditado popular "duas cabeças pensam melhor do que uma". Normalmente nós fazemos isso discutindo o que ouvimos com familiares e amigos, só que desta vez calcado em cima de fatos concretos, o que para mim, quanto médico, é muito mais vantajoso, pois a minha fala não será mal interpretada e, conseqüentemente, às vezes até distorcida, mas será em cima de algo que eu efetivamente escrevi e assinei.
Aliás, você paciente tem o direito e me ajudaria muito se viesse acompanhado de alguém de sua confiança, pois esta pessoa colaboraria e muito na compreensão das informações médicas passadas, uma vez que esta pessoa lhe daria apoio e criaria um clima mais receptivo, lhe diminuindo ansiedades e tensões. Inclusive esta pessoa tem o direito legal de permanecer com você internado, independente do hospital. Não sei se você sabia, mas você tem o direito de receber visitas de pessoas que você desejar, independente do horário de visita. Se isto não for permitido, eu estaria de certa maneira, lhe mantendo num cárcere privado, o que obviamente não desejo.
"Mas doutor, esta possibilidade de eu ter acesso à todas as informações que dizem respeito à minha saúde, ter inclusive cópia do meu material médico, é algo realmente fantástico que eu não sabia".
Perfeitamente, no meu entender é provavelmente o maior avanço da medicina brasileira neste final de século, o direito do paciente de saber o que tem, numa linguagem compreensível, com letra legível para que ele, junto com o médico, possa melhor cuidar de sua saúde. Você paciente, criando uma Carteira de Saúde, que lhe acompanhará durante toda a vida, irá me ajudar a praticar uma medicina melhor.
"E doutor, se algum médico ou hospital se opuser a me dar estes direitos a ter acesso a essas informações?"
Basta recorrer ao Conselho Regional de Medicina, Conselho Federal de Medicina ou ao PROCON através de carta. Não custa dinheiro e nem precisa de advogado. Lembre-se que os profissionais que trabalham nestes serviços os fazem por opção profissional, com o intuito de proteger a sua, a minha e a nossa cidadania, para que possamos, ter uma vida e um país melhor para nós e os nossos filhos. Você Também pode evidentemente entrar na Justiça comum. Isto tudo nada mais é do que um exercício saudável de assertividade e cidadania.
Aliás você sabe o que quer dizer assertividade? E qual a diferença entre brigar ou lutar por algo versus ser assertivo?
Cabe pois a você assumir a sua parcela de responsabilidade para que nós juntos possamos ter uma medicina melhor. Eu como médico lhe sou antecipadamente grato
Saudações democráticas e boa saúde!
*OS DIREITOS DO PACIENTE. Cidadania
na Saúde
DR. CHRISTIAN GAUDERER
Especialista em Pediatria pelo American Board of Pediatrics (Univ. Tennessee)
Especialista em Psiquiatria pelo American Board of Psychiatry (Clínica Mayo)
Especialista em Psiquiatria Infantil e do Adolescente pelo American Board of Child Psychiatry (Univ. Harvard)
Diretor da Equipe Diagnóstica
& Terapêutica Gauderer (Rio de Janeiro)
Outros livros do autor:
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