DIAGNÓSTICO DOS ACIDENTES POR ANIMAIS PEÇONHENTOS

Angela Cristina Lopes


O diagnóstico de acidente por animais peçonhentos depende tanto do reconhecimento do animal agressor quanto das manifestações clínicas apresentadas pelo paciente. Especialmente com serpentes, o diagnóstico de certeza é feito quando é capturada e trazida para identificação e existem os sinais evidentes da picada, acompanhados ou não de manifestações locais ou sistêmicas, compatíveis com um envenenamento. Diante de um acidente por animal peçonhento, deve-se procurar identificar o animal, se possível, levantar o local da ocorrência do acidente, o horário em que ocorreu e quando procurou atendimento (lembrar da importância do tempo transcorrido entre o momento do acidente e o tratamento), proceder o exame físico geral, a descrição da região anatômica do acidente, quais os primeiros cuidados com o acidentado e fazer a classificação do envenenamento, realizar exames (provas de coagulação, hemograma, dosagens de uréia e creatinina, eletrólitos, creatinofosfoquinase (CPK), desidrogenase láctica (LDH) e aldolase, exames de urina) a fim de dar seguimento ao tratamento. À seguir serão descritas as ações básicas dos diversos venenos e manifestações clínicas de maior freqüência na evolução dos pacientes, bem como tratamento preconizado.

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ACIDENTE BOTRÓPICO

As serpentes do gêneroBothrops são responsáveis por 90% dos acidentes ofídicos no Brasil. Habitam, preferencialmente locais úmidos (matas e áreas cultivadas, locais de proliferação de roedores, possuem hábito noturno e são consideradas as mais agressivas. O veneno destas serpentes apresentam ação hemorrágica (causada por fatores hemorrágicos denominados hemorraginas), coagulante (transformando diretamente o fibrinogênio em fibrina) e proteolíca (ação citotóxica direta nos tecidos por frações proteolíticas do veneno). As manifestações locais do veneno botrópico são evidentes, caracterizadas por dor imediata, de intensidade variável. Dentro das seis primeiras horas podem surgir edema endurado, calor e rubor, bolhas equimose, necrose, oligúria e anúria nas doze horas subseqüentes. Pode haver hemorragia no local da picada ou distante (gengivorragia, epistaxe, hematêmese, hematúria e na borda ou leito ungueal. O tempo de coagulação (TC) e de tromboplastina parcial ativada (TTPA) são aumentados pela ação coagulante do veneno. Nos casos graves de envenenamento, concomitante às manifestações descritas, podem ocorrer vômitos, sudorese, hipotermia, hemorragias graves, choque, insuficiência renal aguda e incoagulabilidade sangüínea. Nos casos moderados, as manifestações locais são mais intensas e as sistêmicas, quando presentes, discretas. Já nos casos leves, ocorrem apenas manifestações locais discretas e o tempo de coagulação pode ser normal ou pouco alterado. O tratamento consiste na administração de anti-veneno a fim de neutralizar o veneno inoculado. Nos acidentes considerados leves (edema,TC normal ou alterado) deve-se administrar 4 (quatro) ampolas de soro anti-botrópico (SAB), endovenoso. Nos acidentes moderados (edema evidente, alterações sistêmicas), administra-se 8 (oito)ampolas de SAB. Em acidentes graves, com edema intenso, alterações sistêmicas evidentes) o tratamento consiste na adeministração de 12 (doze) ampolas de SAB. Deve-se, ainda, avaliar a necessidade de antibioticoterapia. Ainda nos envenenamentos botrópicos, pode haver síndrome compartimental, com indicação de fasciotomia, bem como pode ocorrer gangrena, abscessos, ulcerações com necrose, o que indica debridamento. O paciente deve ser acompanhado e alertado para o surgimento de eventuais complicações tardias, tais como as renais.

 

ACIDENTE CROTÁLICO

Segundo estatísticas os acidentes crotálicos (termo derivado de Crotalus, do latim Krotalu, do grego Krótalon, guizo) são responsáves por 10% das ocorrências, A cascavel é encontrada em campos abertos, áreas secas e arenosas. Não tem por hábito atacar e, quando excitada, denuncia sua presença pelo ruído característico do guizo ou chocalho. A composição do veneno crotálico é complexa e constituída de enzimas, toxinas e peptides, que apresenta efeitos importantes sobre os músculos esqueléticos, sistema nervoso, rins e sangue. A fração mais conhecida é a crototoxina. Sintomas inespecíficos como náuseas, mal estar geral, sudorese ou secura da boca podem aparecer precocemente. Devem ser considerados o medo e o estado de tensão emocional, habitualmente encontradas nos pacientes durante as primeiras horas após o acidente ofídico. Os sintomas decorrentes da atividade neurotóxica são conseqüência do bloqueio pré-sináptico da junção mioneural e podem aparecer precoce ou tardiamente. A atividade neurotóxica caracteriza-se por: A atividade coagulante pode levar, teoricamente, à incoagulabilidade sangüínea, dependendo da penetração do veneno. O tratamento consiste na neutralização através de soro anti-crotálico, classificando o acidente desde leve, tratando com 5  ampolas, moderado, com 10  ampolas e grave, com 20  ampolas.

 

ACIDENTE LAQUÉTICO

São raros os acidentes relatados no Brasil. As manifestações clínicas são semelhantes às do envenenamento botrópico, acrescidas de bradicardia, diarréia, hipotensão arterial e choque, atribuídas à ação vagal do veneno. No tratamento deve se utilizado o soro anti-laquético de 10 a 20 ampolas.

 

ACIDENTE ELAPÍDICO

Tais acidentes representam menos de 0,5%. As corais verdadeiras são animais de pequeno porte, tem boca pequena, com presas não articuladas, e vivem entocadas. Possuem hábitos noturnos e só atacam em casos de estímulos. Os sintomas aparecem rapidamente, em virtude do baixo peso molecular das neurotoxinas: fáscies miastênica com ptose palpebral, paralisia da musculatura respiratória, oftalmoplegia, paralisia velopalatina, paralisia flácida dos membros, quadro bastante semelhante ao de envenenamento crotálico, porém, de maior gravidade. O bloqueio da junção mioneural ocorre pós-sinapticamente. A reversão do bloqueio é possível através do uso de anticolinesterásicos (possibilitando o tratamento de insuficiência respiratória, enquanto se remove o paciente para um centro especializado). São utilizadas neostigmine e atropina. O tratamento consiste na administração endovenosa de 10 ampolas de soro anti-elapídico.

 

ACIDENTE ARACNÍDICO

LOXOSCELES

A fisiopatologia está associada ao componente protéico do veneno que atua sobre a esfingomielina de membranas endoteliais, hemácias e plaquetas (atividade esfingomielinásica-D. A ação local se deve à oclusão de vênulas e arteríolas por coagulação endovenosa focal, infiltrado polimorfonuclear ao redor de pequenos vasos e trombos plaquetários, sendo responsável pela necrose cutânea. As alterações sistêmicas estão relacionadas à atividade hemolítica, ativação do sistema compemento, coagulação intravascular disseminada (formas mais graves). Geralmente, o acidentado procura atendimento de 12 a 36 horas após a picada, pela instalação lenta e progressiva. Inicialmente, surge edema endurado, eritema no local da picada, posteriormente, áreas hemorrágicas mescladas com áreas de isquemia (placa marmórea), dor local intensifica, podendo haver febre e exantema. A lesão cutânea pode evoluir para necrose seca, úlcera de difícil cicatrização em mais ou menos 4 semanas, havendo necessidade de enxerto. Tais sinais e sintomas caracterizam a forma cutânea, sendo tratada com 5 ampolas de soro anti-loxoscélico, além do tratamento geral que pode incluir anti-histamínicos, analgésicos, corticosteróides tópicos. A forma cutâneo-visceral pode ser marcada por hemólise intravascular, anemia aguda, icterícia, hemoglubinúria. Pacientes com lesões cutâneas posem desenvolver hemólise maciça e evoluir para insuficiência renal aguda e até óbito. O tratamento consiste na administração endovenosa de 10 ampolas.

 

PHONEUTRIA

O veneno atua sobre os canais de sódio, induzindo a despolarização das fibras musculares e terminações nervosas, sensitivas, motoras e sistema nervoso autônomo e alterações sistêmicas, liberando catecolaminas e acetilcolina. O principal sintoma é dor local de intensidade variável, irradiando à raiz do membro picado. Edema, sudorese, hiperemia, parestesia, fasciculação muscular, taquicardia ou bradicardia, vômitos, podem estar presentes dependendo da gravidade do envenenamento. Os exames laboratoriais podem mostrar leucocitose com neutrofilia (em crianças), hiperglicemia, acidose metabólica. Os acidentes são classificados em leve (com sintomatologia predominantemente local) com taquicardia e agitação secundária à dor. Neste caso o tratamento é sintomático com administração de analgésico sistêmico ou bloqueio local com lidocaína 2% sem vasoconstritor. Os acidentes classificados como moderados incluem taquicardia, hipertensão arterial, sudorese profusa, agitação psicomotora, visão turva, vômitos ocasionais, priapismo, sialorréia discreta. São tratados com a administração de 2 a 4 ampolas de soro anti-aracnídico. Os acidentes graves, geralmente ocorrem em crianças e além dos sintomas já citados incluem vômitos profusos e freqüentes, bradicardia, hipotensão arterial, choque, dispnéia, graus variáveis de depressão neurológica, coma, convulsões e parada cárdio-respiratória. Utiliza-se de 5 a 10 ampolas de soro anti-aracnídico.

 

ACIDENTE ESCORPIÔNICO

Os acidentes determinados pelos escorpiões são importantes não só pela freqüência com que ocorrem em algumas regiões, mas também pela gravidade de alguns acidentes, principalmente em crianças. Ocorrem somente quando o escorpião é tocado, sendo a sintomatologia observada predominantemente local, na grande maioria dos caso. A dor é o principal sintoma, de intensidade variável, podendo se acompanhar de irradiação para o segmento proximal, parestesia hiperemia local, edema, e sudorese local . Os sintomas sistêmicos são mais raros e, em geral surgem apenas nos casos de maior gravidade, principalmente em crianças e eventualmente em idosos, sendo descritos: sudorese generalizada, lacrimejamento, hipertermia, tremores, vômitos, palidez cutânea, perturbação dos movimentos oculares, dor abdominal, diarréia, sialorréia, disfagia, apnéia, estertores pulmonares, taquipnéia, expectoração rósea, agitação psicomotora, hipertonia, prostração, coma, convulsões e até mesmo hemiplegia aguda. Nos acidentes leves, a conduta é observação, exames subsidiares como eletrocardiograma, e tratamento sintomático. Nos acidentes moderados, devem ser administrados 2 a 3 ampolas de soro anti-escorpiônico (SAE) e nos moderados de 4 a 6 ampolas de SAE.


A autora é bolsista de Iniciação Científica do Programa PIBIC/CNPq/PRP - UNICAMP
Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Baena de Moraes Lopes
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