Sistema Único
de Saúde
Regina Helena
do Nascimento*
O modo como a assistência à saúde no
Brasil estava organizada era decorrência de variados fatores,
como:
existência de um sistema de saúde
que não atendia as necessidades e carências da
população, no que diz respeito às políticas de
saúde;
o acesso seletivo à assistência à
saúde, deixando enorme contingente populacional sem atenção;
a mobilização governamental para
reformular a assistência até então existente;
o Movimento da Reforma Sanitária e o
Sindical;
- a ampliação do conceito de saúde;
a formulação de proposta de
reorientação do sistema de saúde;
a criação de legislação que
viabilizasse a implantação do SUS.
Todos esses fatores proporcionaram a
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo
legalmente a democratização da assistência à saúde. Para que
se compreenda melhor este processo, será realizada uma
retrospectiva de alguns acontecimentos que precederam esta
implantação.
Durante a década de 70, vigorava o modelo
médico assistencial, baseado em ações curativas, as quais não
beneficiavam toda a população, pois somente os trabalhadores
contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
contribuiam com a Previdência Social e
poderiam dispor desta assistência. Além disso, o atendimento era
centrado no setor privado, vinculado e financiado pelo governo
federal. Deste modo, nesta época privilegiou-se muito este
setor, o qual contrapunha-se ao setor público que apresentava-se
defasado, quando comparado ao setor privado, devido ao não
investimento econômico no setor público. Cabe ressaltar aqui
que o fortalecimento do setor privado atendia aos interesses de
determinados grupos, não atingindo as reais necessidades da
população.
O contexto político da época era
caracterizado pelo autoritarismo, repressão política, censura
à imprensa, sendo estas evidenciadas, por exemplo, através de
pessoas que eram cassadas. Em meados da década de 70, teve início a
abertura política, por meio de eleições, possibilitando a
reorganização de movimentos sociais, destacando-se o Movimento
Sanitário. Esta foi uma forma dos profissionais da saúde
denunciarem as repercussões do modelo econômico sobre a saúde da
população e a irracionalidade do sistema de saúde existente na
época. Deve-se ressaltar o início do "movimento pelas eleições diretas".
Destaca-se também o Movimento Sindical nesta mesma
época, o qual preocupa-se com as relações entre saúde e
trabalho, visando a melhoria dessa relação, através da
articulação intersindical e entre os setores intelectuais da
área da saúde.
De acordo com LACAZ (1994, 43) através desta
articulação, passou-se a reivindicar a melhoria da
organização nos locais de trabalho, visando ao controle
da nocividade e a defesa da saúde nos ambientes/locais de
trabalho." Este fato proporcionou a criação de vários
departamentos sindicais, como por exemplo, o Departamento
Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de
Trabalho (DIESAT) e o Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
Além disso, o Movimento da Reforma
Sanitária propôs alternativas para um novo sistema de saúde
com características democráticas. Por meio destas, ampliou-se o
número de defensores das mudanças no sistema de saúde, que
tiveram a oportunidade de se expressar em 1979, durante o I
Simpósio Nacional de Política de Saúde, em que houve
elaboração de uma proposta de reorientação do sistema de
saúde, tendo como finalidade a estruturação de um Sistema
Único de Saúde.
De acordo com RODRIGUES NETO (1994, 9) o
SUS "propunha, ao lado da democratização geral da
sociedade, a universalização do direito à saúde, um sistema
de saúde racional, de natureza pública, descentralizado,
integrando as ações curativas e preventivas e democrático, com
participação popular."
O governo passou a reorientar a política
de assistência médica em 1982, devido ao pagamento do setor
privado estar elevado. Deste modo, iniciou a realização de
pagamento por diagnósticos, reduzindo acentuadamente as
despesas. Houve a implantação das Ações Integradas de Saúde,
as quais proporcionaram condições para a criação de vínculo
com as instituições públicas de saúde, ao nível estadual e
municipal, existindo o repasse financeiro do nível federal para
estes últimos. Também ocorreu a criação das Comissões
Inter-institucionais de Saúde, as quais eram responsáveis por
supervisionar a qualidade do atendimento.
No ano de 1986, intensificou-se o Movimento
Sanitário, sendo convocada a VIII Conferência Nacional de
Saúde (CNS), visando discutir a nova proposta de estrutura e
política de saúde para o país. Como resultado deste encontro
surgiram propostas de reformulação do sistema nacional de
saúde, sendo documentadas e conhecidas como projeto da Reforma
Sanitária Brasileira.
De acordo com PAIM (1992, 31), "o
projeto da Reforma Sanitária foi gerado na luta contra o
autoritarismo e pela ampliação dos direitos sociais."
Pode-se perceber que a população passa a lutar por seus
direitos de cidadãos e pela melhoria da qualidade de vida. Isso
também torna-se evidente pela ampliação do conceito de saúde,
explicitado na VIII CNS, na qual "Saúde é a resultante das
condições de alimentação, habitação, educação, renda,
meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,
acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde."
(Brasil, 1986,118)
Em 1988 foi aprovada a nova Constituição
Brasileira, incorporando grande parte dos conceitos e propostas
definidas durante a VIII CNS, adotando então, a proposta da
Reforma Sanitária e do SUS. Deve-se ressaltar que houve
resistência em aceitar tal fato, uma vez que o modelo médico
assistencial privatista privilegiava determinados grupos sociais.
Porém, para a implantação do SUS, era necessária a
formulação de leis, mas somente em 1990 foi aprovada a Lei
Orgânica da Saúde.
Durante a IX Conferência Nacional de
Saúde, houve a reafirmação da proposta do SUS. As Normas
Operacionais Básicas (NOB) definem as estratégias e movimentos
táticos, que orientam a operacionalidade do SUS, viabilizando a
implantação do mesmo. Uma delas, segundo RODRIGUEZ NETO
(1994,14) "estabeleceu normas e procedimentos para efetivar
o processo de descentralização das ações de serviços de
saúde, acatando recomendações do Conselho Nacional de Saúde,
no sentido de realizar a descentralização para estados e
municípios de forma gradual, a partir do preenchimento de
critérios de viabilidade em cada situação, até que cada
município pudesse ficar autônomo na condução e gestão do SUS
no seu âmbito."
Apesar da existência desta NOB, muitas
vezes não há repasse de verba para os níveis estadual e
municipal, fazendo com que os setores públicos apresentem
dificuldades para atingir as propostas do SUS. É importante
ressaltar que o governo ainda faz uso de serviços privados
contratados e conveniados, os quais também deverão ser pagos,
preferencialmente pelo nível municipal.
Para compreender as propostas do SUS,
serão abordados seus princípios, ou seja, suas características
principais:
Universalidade - deve atender,
gratuitamente, a todos de acordo com suas necessidades.
Integralidade - deve atuar de
maneira integral, de forma holística, a fim de prestar
assistência, objetivando a promoção da saúde,
prevenção e cura da doença.
Descentralizado - deve
permitir aos níveis estadual e municipal coordenar as ações de modo que
a implantação do SUS esteja de acordo com seus princípios. As ações devem
estar concentradas no nível municipal, já que ocorreu a municipalização da
saúde, privilegiando e respeitando as características particulares de cada
município, fazendo com que o nível federal apenas transfira o pagamento
para os demais níveis administrarem as ações.
Racional - deve-se
disponibilizar ações nos diferentes níveis de atenção, atentando para
as características da clientela em cada setor, a fim de suprir e
solucionar suas necessidades. Também é necessário atentar para a
contratação ou não de serviços privados, realizando o contrato em
nível municipal, podendo atuar no controle e qualidade dos serviços
prestados pelos mesmos.
Eficaz e Eficiente - deve
ser capaz de solucionar o problema de quem o procura, ou seja, garantir
qualidade e resolutividade do serviço. Para que isso ocorra, também
há a necessidade de adequar-se à realidade da comunidade
e à disponibilidade de recursos, administrando os recursos públicos
de modo eficiente.
Democrático - deve
permitir a participação de todos os segmentos envolvidos com o
sistema, ajudando a delimitar a política no seu nível de atuação,
auxiliando no melhor modo de administração que garanta qualidade
de vida e do serviço à comunidade.Há os Conselhos de Saúde nos três
níveis, exercendo controle social do SUS, a fim de garantir a
sua implantação.
Estes princípios do SUS foram
estabelecidos legalmente, porém há a necessidade de que
o SUS seja implantado de forma a respeitá-los e,
principalmente, garantir à população o acesso a um
serviço de saúde com qualidade, contribuindo para
manter uma melhor qualidade de vida e de saúde da
população.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL - 8º
CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE - Relatório Final. In:
MINAYO,M. C. S. (org.) A Saúde em estado de choque.
Rio de Janeiro, FASE, 1996. p.117 - 128 (Anexo).
LACAZ, F. A . C. - Reforma
Sanitária e Saúde do Trabalhador. Saúde e
Sociedade v.03 nº01, São Paulo, 1994.
PAIM, J. M. A - Reforma Sanitária
e a Municipalização. Saúde e Sociedade, v. 01
nº02, São Paulo, 1992.
RODRIGUEZ NETO, E. A Reforma
Sanitária e o Sistema Único de Saúde: suas
origens, suas propostas, sua implantação, suas
dificuldades e suas perspectivas. In: Textos Técnicos
para Conselheiros de Saúde
Incentivo à Participação Popular e Controle
Social no SUS. Ministério da Saúde, Brasília, 1994.
* Aluna do Curso de
Graduação em Enfermagem da Unicamp e bolsista de
Iniciação Científica do PIBIC - CNPq.
Orientadora Profa. Dra. Maria
Inês Monteiro Cocco.
Co-orientadora Profa. Dra.
Maria Helena Baena de Moraes Lopes.
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